Com a sabedoria e a sensibilidade que lhe são peculiares, Cora Coralina, uma das mais marcantes poetisas brasileiras, escreveu certa vez que “eu sou aquela mulher que faz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.” Talvez ela não tenha percebido, mas acabara de dar uma das melhores definições do papel das mulheres na sociedade brasileira.
A cada 8 de março, Dia Internacional da Mulher, nos acostumamos a ver e receber os mais diversos tipos de homenagens. A maioria faz um apelo aos aspectos da beleza, reduzindo o significado da data a uma mera ação publicitária com objetivo comercial. Também é comum vermos demonstrações de reconhecimento à sensibilidade, ao papel da mãe, da professora, enfim, estereótipos recorrentes para caracterizar o universo feminino.
Mas qual o verdadeiro sentido do dia 8 de março? Ainda que haja controvérsias quanto à origem da data, as referências históricas remetem à mobilização de operárias norte-americanas e européias, entre o final do século XIX e início do século XX, que tiveram a coragem de romper o silêncio e exigir os seus direitos como trabalhadoras e cidadãs. Daí a importância de não só reverenciarmos esse legado de lutas, mas de renovarmos o nosso compromisso de transformação da sociedade.
Não podemos, no entanto, deixar de fazer uma reflexão sobre a presença das mulheres na política. Pesquisa realizada pela União Interparlamentar, em 189 países, sobre a participação feminina na política revela que a média mundial de mulheres nos parlamentos é de 17,1%. No Brasil o percentual é ainda menor. Representamos 8,8% na atual legislatura da Câmara Federal.
Significativo avanço legal foi conquistado pelas mulheres brasileiras na Constituição de 1988 com a definição da igualdade jurídica entre ambos os sexos. Contudo, no cenário da representação política, o histórico da presença das mulheres na Câmara Federal, por exemplo, remete à constatação de que o marco legal é insuficiente frente a uma secular cultura discriminatória. Em 1990, foram eleitas 29 mulheres, num total de 513 deputados. As vagas conquistadas em 1994, 1998, 2002 e 2006 são respectivamente 33, 29, 42 e 45, nunca ultrapassando o percentual de 9%, embora sejamos quase 52% da população brasileira. Ainda são poucas as candidatas, apesar de a legislação estabelecer o percentual mínimo de 30% para as candidaturas de qualquer dos sexos em todas as eleições proporcionais.
Ao constatar essa realidade e na oportunidade do Dia Internacional da Mulher devemos estabelecer metas para a Reforma Política em curso com o objetivo de construir a eqüidade de gênero como conteúdo da democracia no Brasil. São essenciais a superação do financiamento privado das campanhas eleitorais e o limite de gastos, pois o poder econômico sempre se orienta para manutenção do atual estado, majoritariamente masculino. Outra medida crucial é incluir regra de ordenamento das listas partidárias que garanta alternância de gênero.
É inegável que a plena participação política das mulheres qualificará a democracia brasileira. Porém, esse processo não se dará a partir de uma natureza feminina essencial, e sim pelos compromissos assumidos na trajetória que faz dessa participação um fruto das lutas de várias gerações. Os movimentos feministas, parceiros de tantas lutas democráticas, estão convocados a debater essa reforma. A garantia de um espaço igualitário para as mulheres em todas as searas de nossa sociedade passará por muita mobilização e debate.
Aos poucos, mas de forma consistente, temos conseguido modificar processos de opressão, até então, cristalizados na nossa cultura. Um avanço importantíssimo é a Lei Maria da Penha, contra a violência doméstica e familiar, sancionada pelo presidente Lula, em agosto de 2006. A lei leva o nome da biofarmacêutica que ficou paraplégica e quase foi morta pelo marido. Maria da Penha lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado e virou símbolo contra a violência à mulher.
São exemplos como esse que devem servir de estímulo para as mulheres persistirem na luta contra a violência e a discriminação. A incorporação dessas demandas na legislação nos fortalece e legitima ainda mais a nossa ação. Precisamos, constantemente, nos apropriar dos nossos direitos para fazer valer na prática o que a legislação brasileira já reconhece. Assim, estaremos valorizando e aclamando a multiplicidade de um Brasil de mulheres que são trabalhadoras, negras, lésbicas, mães, chefes de família e, mais que tudo, vencedoras. Como bem expressou Cora Coralina, unimos sensibilidade e ternura à firmeza de continuarmos plantando a esperança de um mundo e uma vida melhor. Com isso, construímos a realidade e transformamos o mundo.
Maria do Rosário é deputada federal do PT/RS e 2ª vice-presidente nacional do PT
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