08 março 2007

Linha do tempo: Conheça a origem do Dia Internacional da Mulher

A origem do Dia Internacional da Mulher não deriva de um acontecimento isolado, mas deve ser entendido em um contexto histórico e ideológico muito mais amplo.

O Mito

A idéia comumente aceita é de que a data é uma homenagem às operárias norte-americanas, em greve, que foram trancadas na fábrica e que morreram queimadas em um incêndio provocado pelos patrões. Ou refere-se também, a uma manifestação das operárias do setor têxtil nova-iorquino ocorrida nesse dia do ano de 1857..

Estes dois acontecimentos, separadamente - o incêndio e a greve - não têm conexão com a instituição do 8 de Março, no entanto, há entre eles muitos dados que favoreceram a criação do mito. Na cidade de Nova Iorque existiu, efetivamente, um incêndio, como também ocorreram ações de protesto contra as condições de trabalho dos operários do setor têxtil, acontecimentos todos eles protagonizados por operárias. Mas uma simples revisão de datas derruba o mito do incêndio e da manifestação porque 8 de março de 1857 e 8 de março de 1908 eram domingo, dia de descanso e pouco comum para se declarar uma greve. O incêndio que maiores repercussões teve na história do movimento feminista norte-americano e que mais profundo interesse despertou na historiografia norte-americana foi o da nova-iorquina Triangle Shirtwaist Company, ocorrido em 25 de março de 1911, seis dias depois da primeira celebração do Dia Internacional da Mulher, em 19 de março do mesmo ano. Nele morreram 142 trabalhadoras que, entre os meses de setembro de 1909 e fevereiro de 1910, haviam protagonizado a primeira greve nacional levada a efeito exclusivamente por mulheres que reivindicavam melhoria de suas condições de trabalho.

Os fatos

A origem do Dia Internacional da Mulher insere-se em um contexto histórico e ideológico muito concreto, cujo objetivo, em seus inícios, não foi rememorar nenhuma catástrofe que vitimou um grande número de mulheres. O texto da resolução adotada pela II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague em 1910, vem confirmar que nem se fazia alusão a nenhum acontecimento protagonizado por operárias que devesse ser comemorado com a celebração do Dia Internacional da Mulher, nem sequer se propunha uma data concreta em que esta devesse acontecer.

Sua origem tem de ser entendida no bojo da ascensão das lutas operárias de finais do século XIX e início do século XX, cujas discussões teóricas, no campo socialista, convocavam à participação política e em cujo contexto tomava corpo a luta pela libertação da mulher.

A partir de começos do século XX, essa batalha das socialistas se cruzou com a de um punhado de mulheres independentes, em sua maioria pertencentes à classe média ou alta, que estavam em campanha pelo direito ao voto.

Woman´s Day

Desde 1901, nos Estados Unidos, logo após a criação do Partido Socialista, surge a União Socialista das Mulheres com a finalidade de reivindicar o direito de voto feminino. Entre 1904 e 1908, sempre nos Estados Unidos, nascem vários clubes de Mulheres, uns intimamente ligados ao Partido Socialista, outros mais autônomos, anarquistas ou não.

Em 1908 a Federação do Clube de Mulheres Socialistas de Chicago toma a iniciativa autônoma, não ligada oficialmente ao Partido Socialista, de comemorar um Dia da Mulher. Era domingo, 3 de maio. O primeiro Dia da Mulher, nacional, assumido pelo Partido foi no ano seguinte, em Nova Iorque, em 28 de fevereiro de 1909.

Em 1910 o partido Socialista americano organiza pela segunda vez o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro, em Nova Iorque. Essa comemoração de 1910 foi marcada por uma grande participação de operárias. Eram as costureiras da cidade que haviam terminado uma longa greve pelo direito de ter seu sindicato reconhecido. A greve durou de 22 de novembro de 1909 até 15 de fevereiro de 1910, quase na véspera do Dia da Mulher.

Dois meses depois, em maio, no Congresso do Partido foi designado que o partido americano enviasse delegadas ao Congresso da Internacional, com a tarefa de propor, entre outras, que o Dia da Mulher fosse assumido pela Internacional. Esse dia deveria tornar-se o Dia Internacional da Mulher, a ser celebrado pelos socialistas, no último domingo de fevereiro.

II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas

A origem do Dia Internacional da Mulher só podia se dar, como de fato ocorreu, dentro do marco da teoria socialista Assim, na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague nos dias 26 e 27 de agosto de 1910, as delegadas americanas levaram a proposta apresentada por seu Partido. A proposta foi aceita e Clara Zetkin, juntamente com Käte Duncker e outras companheiras, apresentou a seguinte moção:

“De acordo com as organizações políticas e sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão em seus respectivos países um dia das mulheres especial, cujo principal objetivo será promover o direito a voto das mulheres. Será necessário debater esta proposição com relação à questão da mulher numa perspectiva socialista. Esta celebração deverá revestir um caráter internacional e será necessário prepará-la com muito esmero”.

O texto da proposição, traz à vista alguns elementos que não podem ser ignorados. Primeiro, o Dia Internacional da Mulher, que tem sua origem indiscutivelmente, no movimento internacional de mulheres socialistas de finais do século XIX, começos do século XX, tinha como finalidade exclusiva promover a luta pelo direito ao voto da mulher, sem nenhum tipo de restrição baseada no nível de riqueza, propriedade ou educação. Segundo, e contrariamente à versão aceita pela maioria das autoras e autores que tratam desse tema, na proposição não é citado nenhum acontecimento destacado nem relevante para a história das mulheres que pudesse ser comemorado com a celebração desse dia dedicado a elas; da mesma maneira não fica definida uma data precisa para tal comemoração.

Nestes primeiros anos, o Dia Internacional da Mulher era festejado em datas diferentes, segundo os países. A data escolhida pelas socialistas alemãs para essa primeira comemoração foi 19 de março de 1911, data carregada de significado para o proletariado alemão. Nesse dia, em 1848, Guilherme I da Prússia reconheceu a força do povo armado e fez promessas, que depois não cumpriria e, entre elas, a concessão do direito ao voto para as mulheres.

Também houve comemorações na Dinamarca, Suécia e outras nações européias. Nos Estados Unidos a tradição de realizar o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro se manteve até 1913. Em 1914, passou a ser comemorado em 19 de março, seguindo a indicação de Kollontai.

Os países que mais conscientemente se realizaram os preparativos para a celebração foram a Áustria e Alemanha. Em semanas anteriores ao 19 de março, publicaram-se novas revistas que fariam eco aos planos de celebrar o Dia Internacional da Mulher. Além das publicações, em todas as vilas e cidades dos países foram organizados comícios e manifestações, algumas das quais foram dissolvidas pela polícia. Em Viena, as mulheres marcharam em volta do Reichstag portando bandeiras vermelhas e lembrando as vítimas da Comuna de Paris.

O êxito da comemoração do Dia Internacional da Mulher superou todas as expectativas. Revelou-se um excelente método de mobilização e conscientização política entre as trabalhadoras, além de ser uma magnífica ocasião para fortalecer os laços de solidariedade entre as trabalhadoras de todo o mundo.

Em 1914, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado pela primeira vez em 8 de Março, na Alemanha, Suécia.

O Dia Internacional da Mulher e a Revolução Russa: histórias paralelas

Na Rússia dominada pelo czarismo, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado pela primeira vez em 1913. Alexandra Kollontai liderou o movimento de mulheres trabalhadoras russas de 1905 a 1908 e embora tenha participado da II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas e de fazer parte do Secretaria Internacional de Mulheres, a comemoração do Dia Internacional da Mulher, na Rússia só foi realizada por primeira vez em 23 de fevereiro (8 de março do calendário ocidental) de 1913.

Para comemorá-lo, Kollontai mobilizava as trabalhadoras através de um artigo publicado no Pravda, estimulando a organização de manifestações de protesto pela falta de direitos políticos e econômicos em que viviam. A principal atividade consiste numa manifestação que acabou sendo dissolvida pela polícia e com algumas prisões.

O artigo de Kollontai revela certos aspectos que dão a chave para o que daí em diante ia ser o Dia Internacional da Mulher. Em primeiro lugar se afirma a conexão inquebrantável dessa festividade com o movimento de mulheres proletárias; não se tratava de uma celebração de todas as mulheres, mas sim apenas das da classe trabalhadora.

Em razão do êxito da comemoração, o Partido Bolchevique decidiu criar uma revista especial dedicada à formação e mobilização das operárias e esposas de operários. Nascia assim a Rabonitsa (Mulher Operária), cujo lançamento do primeiro número coincidiu com as comemorações do 23 de fevereiro de 1914, do Dia Internacional da Mulher, e se converteu num símbolo do PartidoBolchevique.

A revolução russa de 1917

Os acontecimentos de 23 de fevereiro de 1917 são importantes não só porque deram origem à revolução e porque foram protagonizados por mulheres, mas sim, porque segundo tudo parece indicar, foram esses fatos os que fizeram que o Dia Internacional da Mulher passasse a ser comemorado, sem mais mudanças até nossos dias, em 8 de março.

Segundo todas as fontes, os fatos começaram no dia anterior, quando os operários de uma fábrica de armamentos de Putilov encontraram a fábrica fechada no momento que tentavam entrar para começar sua jornada de trabalho. As mulheres de Petrogrado, que haviam se transformado em chefes de família enquanto os homens estavam nas frentes de batalha, cansadas da escassez de alimentos e dos alto custo de vida, foram às ruas em manifestação por pão e paz.

O movimento recebeu imediata adesão das soldakti – esposas, filhas e irmãs dos soldados – e conforme percorriam as ruas, seu número aumentava com a incorporação das donas de casa que faziam fila para receber suas ração de pão, e demais trabalhadoras. No dia seguinte o número de mulheres na rua chegou a ser de mais de 190 mil, gritando palavras de ordem: “Pão! Nossos filhos estão morrendo de fome!”, e lançando contra a polícia pedaços de gelo e de pedras.

Essa manifestação foi o estopim do começo da primeira fase da Revolução Russa, conhecida depois como a Revolução de Fevereiro. Kollontai assim se refere a esse episódio: “O dia das operárias, 8 de Março foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”.

.Em 1921, realizou-se em Moscou, na URSS, a Conferência das Mulheres Comunistas que adota o dia 8 de março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir dessa Conferência, a III Internacional, recém-criada, espalhará a data 8 de Março como data das comemorações da luta das mulheres.

Um dia esquecido e depois reinventado

Nos últimos anos da década de 20 e, sobretudo nos anos 30, o Dia Internacional da Mulher, seja comunista ou socialista, se perderá na tormenta que se abateu sobre o mundo. A ascensão do nazismo na Alemanha, o triunfo do stalinismo na URSS e o declínio da social-democracia na Europa e o vendaval da 2ª Guerra Mundial enterram as manifestações do Dia das Mulheres.

A humanidade só voltará a falar do Dia da Mulher, no final dos anos 60. Nesse lapso de tempo, o marco do 8 de Março, data da greve das operárias de Petrogrado, de 1917 foi esquecido.

Em 1966 a Federação das Mulheres comunistas retomou o Dia da Mulher, e o fizeram de forma confusa e fantasiosa, inventando datas e detalhes. O mito acabado de ser criado no Leste Europeu, começou a ser divulgado e foi depois enriquecido fartamente, nos Estados Unidos do final dos anos 60 e em todo mundo ocidental.

Derrubar o mito de origem da data de 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu. Muito ao contrário. Significa enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original.

Datas Básicas sobre a origem do 8 de Março[2]

1900-1907
— Movimento das Sufragistas pelo voto feminino nos EUA e Inglaterra.

1907
— Em Stuttgart, é realizada a 1ª Conferência da Internacional Socialista com a presença de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Uma das principais resoluções: "Todos os partidos socialistas do mundo devem lutar pelo sufrágio feminino."

1908
— Em Chicago (EUA), no dia 3 de maio, é celebrado, pela primeira vez, o Woman´s Day. A convocação é feita pela Federação Autônoma de Mulheres.

1909
— Novamente em Chicago, mas com nova data, último domingo de fevereiro, é realizado o Woman"s Day. O Partido Socialista Americano toma a frente.

1910
— A terceira edição do Woman"s Day é realizada em Chicago e Nova Iorque, chamada pelo Partido Socialista, no último domingo de fevereiro.

— Em Nova Iorque, é grande a participação de operárias devido a uma greve que paralisava as fábricas de tecido da cidade. Dos trinta mil grevistas, 80% eram mulheres. Essa greve durou três meses e acabou no dia 15/02, véspera do Woman"s Day.

— Em maio, o Congresso do Partido Socialista Americano delibera que as delegadas ao Congresso da Internacional, que seria realizado em Copenhague, na Dinamarca, em agosto, defendam que a Internacional assuma o Dia Internacional da Mulher.

"Este deve ser comemorado no mundo inteiro, no último domingo de fevereiro, a exemplo do que já acontecia nos EUA".

— Em agosto, a 2ª Conferência Internacional da Mulher Socialista, realizada dois dias antes do Congresso, delibera que: "As mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão (...) um dia das mulheres específico, cujo principal objetivo será a promoção do direito a voto para as mulheres". Não é definida uma data específica.

1911
— Durante uma nova greve de tecelãs e tecelões, em Nova Iorque, morrem 134 grevistas, a causa de um incêndio devido a péssimas condições de segurança.

— Na Alemanha, Clara Zetkin lidera as comemorações do Dia da Mulher, em 19 de março. (Alexandra Kollontai diz que foi para comemorar um levante, na Prússia, em 1848, quando o rei prometeu às mulheres o direito de voto).

— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 26 de fevereiro e na Suécia, em 1º de Maio.

1912
— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 25 de fevereiro

1912 e 1913
— Na Alemanha, o Dia da Mulher é comemorado em 19 de março

1913
— Na Rússia é comemorado, pela primeira vez, o Dia da Mulher, em 3 de março.

1914
— Pela primeira vez, a Secretaria Internacional da Mulher Socialista, dirigida por Clara Zetkin, indica uma data única para a comemoração do Dia da Mulher: 8 de Março. Não há explicação sobre o porquê da data.

— A orientação foi seguida na Alemanha, Suécia e Dinamarca.

— Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher foi comemorado em 19/03

1917
— No dia 8 de Março de 1917 (27 de fevereiro no calendário russo) estoura uma greve das tecelãs de São Petersburgo. Esta greve gera uma grande manifestação e dá início à Revolução Russa.

1918
— Alexandra Kollontai lidera, em 8 de Março, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, em Moscou, e consagra o 8/3 em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo.

1921
— A Conferência das Mulheres Comunistas aprova, na 3ª Internacional, a comemoração do Dia Internacional Comunista das Mulheres e decreta que, a partir de 1922, será celebrado oficialmente em 8 de Março.

1933
— No dia 8 de Março, em Moscou, Clara Zetkin, no Dia das Mulheres, toma a palavra em público pela última vez.

1955
— Dia 5/3, L´Humanité, jornal do PCF, fala pela primeira vez da greve de 1857, em Nova Iorque. Não fala da morte das 129 queimadas vivas.

1966
— A Federação das Mulheres Comunistas da Alemanha Oriental retoma o Dia Internacional das Mulheres e, pela primeira vez, conta a versão das 129 mulheres queimadas vivas.

1969
— Nos Estados Unidos, o movimento feminista ganha força. Em Berckley, é retomada a comemoração do Dia Internacional da Mulher.

1970
— O jornal feminista Jornal da Libertação, em Baltimore, nos EUA consolida a versão do mito de 1857.

1975
— A ONU decreta, 75-85, a Década da Mulher.

1977
— A Unesco encampa a data 8 de Março como Dia da Mulher e repete a versão das 129 mulheres queimadas vivas.

1978
— O prefeito de Nova Iorque decreta dia de festa, no município, o dia 8 de Março, em homenagem às 129 mulheres queimadas vivas.


No Brasil:

1945
— O PCB cria a União Feminina contra a carestia.

1947
— O 8 de Março é comemorado pela primeira vez no Brasil

1948

— Com o PCB na ilegalidade, a passeata do 8 de Março é proibida no Rio.

1949

— É editado, pela primeira vez, no Brasil, o livro de Alexandra Kollontai, A Nova Mulher e a Moral Sexual.

1950

— Em 8 de Março, a Federação das Mulheres do Brasil retoma a comemoração do Dia Internacional da Mulher.

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[1] Esse texto foi baseado no livro Los orígenes y la celebración de Dia Internacional de la Mujer 1910-1945, de autoria de Ana Isabel Alvarez González e também a cartilla O Dia da Mulher nasceu das mulheres socialistas – As origens do 8 de Março, publicada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação - NPC

[2] Texto retirado integralmente da cartilha editada pelo NPC – Núcleo Piratininga de Comunicação, op. Cit.

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