Israel, patrocinado pelos Estados Unidos, há muito trabalha pelo enfraquecimento da ONU, seu sistemático desmantelamento e desmoralização como organismo de mediação entre as nações.
Gilson Caroni Filho
“A única fonte de otimismo, a meu ver, continua sendo a coragem dos palestinos para resistir. Foi por causa da Intifada e porque os palestinos se recusaram a capitular diante dos israelenses que chegamos à mesa de negociação — e não apesar de tudo isso, como alguns insistem em dizer. O povo palestino vai continuar se opondo aos assentamentos ilegais, ao exército de ocupação, aos esforços políticos para pôr um ponto final em sua aspiração legítima de ter um Estado".(Edward Said)Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em dezembro de 2008, que a crise no Oriente Médio demonstrava falta de coragem da ONU por conviver com suas resoluções sabotadas pelos Estados Unidos, setores da imprensa nativa acusaram o governo brasileiro de assumir um viés claramente antiamericano. Passadas duas semanas, com a morte de aproximadamente 900 palestinos, sendo que 200 eram crianças, fatos e falas parecem dar razão ao presidente. Dois pronunciamentos, em especial, merecem destaque. Não só pelos autores como pelos aspectos comuns implícitos. De um lado, a alta comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Navanethem Pillay, diz que "há indícios de que Israel cometeu crimes de guerra na ofensiva contra a faixa de Gaza". De outro, o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, condena resolução do Conselho de Segurança da ONU e pede paciência, pois “Israel está se aproximando dos objetivos que se impôs, mas ainda são necessários mais paciência, determinação e esforço”.Por "indícios", Pillary se refere ao bombardeio de uma escola dirigida pela organização no campo de refugiados de Jabaliya, ao ataque a um abrigo para refugiados e à explosão de um caminhão de suprimentos para a população civil. A declaração de Olmert revela a prepotência de um Estado empenhado na "solução final" da questão palestina. À força de "fatos consumados", como a muralha, os assentamentos, a destruição de moradias e plantações, o monopólio das fontes de água e o êxodo contínuo, a chamada " solução de dois Estados”, um israelense e outro palestino parece crescentemente insustentável.Como bem destacou Oswaldo Coggiolla, "a verdade é que só um cinismo sem limites permitiria chamar “Estado Palestino” aqueles guetos de miséria cercados por colonos e militares sionistas, com franca supremacia econômica, política e militar”. Se, desde as eleições do Hamas, a situação da população de Gaza se deteriorou devido às sanções, especialmente americanas e européias - que deixaram mais de 165 mil trabalhadores árabes sem receber salário - e à ação do governo israelense que passou a reter impostos que recolhia e repassava aos palestinos, é uma ilusão imaginar que isso teria sido diferente caso o resultado do pleito fosse outro.O grande problema da Palestina, onde vivem cristãos, judeus e islâmicos, é que nenhuma regra parecia valer para os desígnios sionistas. Antes da ofensiva, a região era alvo de incursões e operações militares que danificavam a infra-estrutura e deixavam mais distante qualquer sonho de paz.Em artigo escrito para o The Independent, Sami Abdel-Shafi, relatava que " os foguetes pouco freqüentes do Hamas - disparados do norte de Gaza para o sul de Israel - eram usados pelo governo israelense como justificativa para a guerra desproporcional contra Gaza". O que Sami não escreveu é que a expansão sionista arruinou a agricultura palestina mediante confisco de terras e a imposição de quotas para a exportações ao mercado israelense. O sistema hidráulico, desde 1982, é administrado por Israel. Enquanto os habitantes palestinos de Gaza e Cisjordânia dispõem de 115 milhões de metros cúbicos de água por ano (19% dos recursos existentes), a economia israelense e os assentamentos judeus dispõem de 485 milhões de metros cúbicos. Diante desse quadro é fácil antever os objetivos de Olmert: dobrar a resistência palestina e, mediante, “negociações" consentir que a OLP administre um gueto, mantendo Gaza separada da Cisjordânia.O que Navanethem Pillay parece não se dar conta é que o que ela chama de indícios aponta para algo bem mais dramático: Israel, patrocinado pelos Estados Unidos, há muito trabalha pelo enfraquecimento da ONU, seu sistemático desmantelamento e desmoralização como organismo de mediação entre as nações.Em 2006, quando atacou o Libano, Israel bombardeou uma instalação da ONU, matando quatro de seus observadores, além de ter atacado comboios e campos de refugiados sob proteção daquela instituição. Pillary deve saber que nenhum desses atos recebeu sequer uma condenação formal das Nações Unidas, graças ao veto estadunidense no Conselho de Segurança. É bom lembrar que 30% dos mortos eram crianças com menos de doze anos de idade.Na cartilha do arranjo geopolítico regional, a definição de crime de guerra depende de quem o executa. E aos que pensam que a história está se repetindo em Gaza, convém fazer um lembrete: não confundam repetição com continuidade. O que Israel proporciona ao mundo não passa de farsa e tragédia. As duas não são excludentes. E o ódio resultante dessa combinação é incalculável.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário