Quem defende o voto distrital no
Brasil defende a exclusão da representação de grande parcela de nosso
eleitorado. O voto distrital é clamorosamente excludente. Essa exclusão é
a mesma coisa que bipartidarismo. Todos os países que adotam o sistema
eleitoral distrital tornam-se países governados por apenas dois partidos
que se revezam no poder por meio de maiorias esmagadoras. Ninguém em sã
consciência admitirá que a Grã-Bretanha, em toda sua complexidade
social e demográfica, seja representada apenas por dois partidos. O
mesmo vale para os Estados Unidos. Se esses dois países mudassem seu
sistema eleitoral, trocando o voto distrital pelo voto proporcional,
eles se tornariam, já nas primeiras eleições legislativas com o novo
sistema, países multipartidários. O voto distrital é idêntico a uma
camisa de força que limita os movimentos da representação.....
Para se obter a maioria dos
deputados em uma Câmara eleita por meio do voto distrital, basta que um
partido obtenha somente 25% dos votos nacionais. Isso porque é preciso
ter 50% de votos em 50% dos distritos, o que resulta nos 25% dos votos
nacionais mencionados. Resultado: a maioria governa graças a uma minoria
de votos, e a maioria dos votos – 75% – fica de fora do governo. É
impossível ser mais excludente. No sistema proporcional, um partido só
poderá ter a maioria da Câmara dos Deputados se obtiver 50% dos votos
nacionais. É evidente, portanto, que o sistema eleitoral proporcional é
infinitamente mais justo do que o distrital. Imagine-se no Brasil, onde
todos os eleitores acham que todos os políticos são ladrões, um governo
majoritário estabelecido com apenas 25% dos votos. Os eleitores vão
dizer: além de ladrões, foram eleitos com a minoria dos votos. Seria a
mais completa falta de legitimidade. Surpreende-me o fato de haver
defensores desse absurdo no Brasil.
Para entender por que o sistema
distrital obriga quem o adota a ter somente dois partidos importantes,
vale entender o que acontece na eleição dentro de cada distrito. Em um
distrito britânico onde há três candidatos, um conservador, um
trabalhista e um liberal-democrata, é comum que o candidato
liberal-democrata fique na terceira posição em proporção de votos.
Somando-se todos os liberais-democratas que ficaram em terceiro lugar
nos mais de 600 distritos britânicos, pode-se obter, por exemplo, que
esse partido teve um total nacional de 10% dos votos. Porém, como esses
10% de votos não foram para nenhum candidato que ficou em primeiro
lugar, foram desperdiçados, jogados no lixo, esses 10% de votos não
elegeram deputado algum. Somente os liberais-democratas que ficaram em
primeiro foram eleitos, mas, somando-se a votação nacional de todos os
primeiros colocados desse partido, tem-se somente 6%. É por isso que o
partido fica com 16% dos votos nacionais e somente 7% das cadeiras do
parlamento. Isso jamais ocorre no nosso sistema eleitoral, que é o
proporcional.
Foi assim que em 1983 os
liberais-democratas britânicos tiveram 25,4% dos votos, mas somente 3,5%
das cadeiras, um completo absurdo, uma completa falta de
proporcionalidade, uma total injustiça distributiva quando se considera a
relação entre votos e cadeiras. Em 1987 foram 22,6% dos votos que
resultaram somente em 3,4% de cadeiras; em 1992 ocorreu que 17,8% dos
votos foram traduzidos em somente 3,1% de assentos no parlamento. Em
1997 a injustiça foi menor, mas permaneceu: 16,7% dos votos os levaram a
obter 7% de cadeiras. Daí para a frente, a situação só fez piorar: em
2001, 18,3% dos votos resultaram em 7,9% de assentos parlamentares; em
2005, 22,1% dos votos conquistaram 9,6% das cadeiras, e em 2010 a
situação foi ainda pior, quando 23% dos votos resultaram em somente 8,8%
de cadeiras. Todos os lugares que adotam o voto distrital punem
cruelmente o terceiro partido. Esqueça quarto partido, ele simplesmente
não existe na prática.
A consequência prática imediata
desse processo é que o eleitor médio percebe que o sistema pune o
terceiro partido e assim ele passa a praticar o voto útil, escolhendo
preferencialmente candidatos trabalhistas ou conservadores, que são os
únicos partidos que realmente têm condições de obter a maioria
parlamentar. Ou seja, além de todos os defeitos do voto distrital que
venho mostrando nesta coluna, ele tem um defeito adicional perverso:
estimula o voto útil. Esse fenômeno foi mostrado a primeira vez por
Maurice Duverger nos anos 1950.
Se o Brasil adotar o voto
distrital, sobreviverão apenas três partidos, que provavelmente serão o
PT, o PMDB e o PSDB. Os demais serão liquidados, extintos, aniquilados.
Se alguém tiver dúvidas quanto a essa afirmação, dê-se ao trabalho de
ver a composição da Câmara dos Deputados dos países que adotam o voto
distrital.
O sistema distrital pune o
terceiro partido e premia o partido mais votado. É um sistema perverso,
porque fabrica artificialmente a maioria. Não se trata de mágica, é um
resultado real e concreto de um sistema que distorce a representação.
Mais uma vez o melhor exemplo para demonstrar esse fenômeno é a
Grã-Bretanha.
Em 1983, Margaret Thatcher foi
eleita primeira-ministra pela segunda vez, com seu partido obtendo 42,4%
dos votos. O impressionante é que o Partido Conservador conquistou nada
menos do que 61% das cadeiras do Parlamento, praticamente 20% a mais do
que sua votação. Em 1987 a desproporção também ficou muito próxima
disso: com somente 42,3%, obteve-se 57,9% dos assentos. Em 2001 foi a
vez dessa injustiça distributiva favorecer o Partido Trabalhista: foram
40,7% de votos que resultaram na conquista de 62,5% das cadeiras. Em
2005, foram 35,2% de votos para o partido de Tony Blair, e eles
conquistaram 55,2% de cadeiras. Isso seria intolerável no Brasil.
O voto distrital elimina o
multipartidarismo, aniquila todos os partidos menos três, pune o
terceiro partido tornando-o um nanico sem poder de influência nas
decisões governamentais, incentiva o voto útil, e por fim cria uma
maioria artificial dando mais cadeiras do que votos para o partido mais
votado. No voto distrital o vencedor leva tudo (“the winner takes all”).
A nossa Câmara dos Deputados tem
513 representantes e o partido mais votado, o PT, ficou com 80
cadeiras. No voto distrital o PT teria ficado provavelmente com 280
cadeiras, isto é, mais do que 50% dos assentos. Hoje o
primeiro-secretário da Câmara é o deputado Eduardo Gomes, do PSDB do
Tocantins, um parlamentar da oposição. Isso jamais ocorreria se o PT
tivesse 280 cadeiras. Ao contrário, toda a mesa da Câmara seria composta
por deputados petistas. No sistema distrital, a maioria simplesmente
manda e ocupa todos os espaços. Em todos os países com voto distrital, a
mesa da câmara é 100% controlada pelo partido que tem a maioria, e o
mesmo acontece para todas as comissões legislativas. Funciona novamente
aqui o princípio do vencedor leva tudo.
Margaret Thatcher extinguiu em
1986 o Greater London Council, que era a prefeitura da grande Londres,
porque seu ocupante à época, Ken Livingstone, era um duro opositor. É
impensável esse tipo de medida no Brasil. É impossível que Dilma,
insatisfeita com a oposição que lhe fizessem o prefeito de São Paulo ou
do Rio, simplesmente extinguisse uma dessas prefeituras. Aliás, como
nosso sistema é predominantemente conciliatório, é muito difícil que
prefeitos de cidades importantes façam oposição ao presidente.
Nós brasileiros temos
preconceito contra nós mesmos. O sistema proporcional que adotamos
resulta na existência de um grande partido de centro, o PMDB. O sistema
distrital americano resulta na existência de somente dois partidos,
Republicano e Democrata. Se formos pensar fora da caixinha, fora do
tradicional, veremos que a relação custo-benefício do PMDB é bem mais
favorável do que a simples existência de dois partidos como democratas e
republicanos. No último mês vimos os prejuízos (de bilhões e bilhões de
dólares) causados pelo sistema americano ao seu próprio país e ao
mundo. Um sistema que, graças ao voto distrital, não incentiva o
consenso, mas somente o conflito. O PMDB, ao contrário, confere total
governabilidade ao Brasil.
Aliás, ainda no terreno da
comparação, desde 1928 somente os presidentes peronistas cumprem
integralmente o mandato na Argentina. Todos os radicais eleitos não
tiverem esse destino. Isso aconteceu porque não existe um PMDB na
Argentina. É possível que nós brasileiros tenhamos um excelente sistema
eleitoral, embora não saibamos disso ou não reconheçamos esse fato. Em
suma, não há motivos razoáveis para adotarmos o excludente voto
distrital.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário
Nenhum comentário:
Postar um comentário